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‘A Morte da Verdade’ não é apenas sobre falsidade na era de Trump. É sobre Jair Bolsonaro também
Verificando Os Fatos

O presidente Donald Trump, à esquerda, aperta a mão do presidente brasileiro Jair Bolsonaro durante uma reunião bilateral à margem da cúpula do G-20 em Osaka, Japão, sexta-feira, 28 de junho de 2019. (AP Photo/Susan Walsh)
A propagação de incêndios na região amazônica não apenas chamou a atenção do mundo para uma importante questão ambiental, mas também revelou a um público maior e internacional como o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, é realmente no dia a dia – uma imitação de Donald Trump.
Diante de um grande número de repórteres tentando entender o que ele faria para proteger a floresta, Bolsonaro preferiu classificar como fake news todos os dados que haviam sido coletados pelo governo e também pela NASA sobre os incêndios na Amazônia. E repetiu que esses números – mostrando um enorme crescimento – estavam sendo usados apenas para desacreditar ele e o país. Afinal, em sua opinião, ele deve ser visto e tratado como a única fonte confiável de informações sobre o assunto. Isso se assemelha a outra pessoa.
No ano passado, a ex-crítica literária do New York Times Michiko Kakutani publicou “ A morte da verdade: notas sobre a falsidade na era de Trump .” É um ótimo livro para aqueles que estão dispostos a entender a manipulação de dados e o advento das notícias falsas como um meio de ganhar – e manter – poder. Também é uma leitura obrigatória para aqueles que já comemoraram e agora podem estar um pouco cansados dessa confusão de conexão global.
Há poucos dias, o sociólogo espanhol Manuel Castells, um dos maiores teóricos da comunicação digital e autor de livros como “A Ascensão da Sociedade em Rede” e “A Galáxia da Internet” , deu uma palestra no Rio de Janeiro. Diante de um auditório, ele disse: “As pessoas não respondem à informação com razão, mas com emoção, que só alimenta o fenômeno das bolhas e as zonas de conforto uns dos outros. Como todos sabemos agora, estes não são necessariamente os templos da verdade.”
Kakutani e Castells vivem longe um do outro, em continentes diferentes. Mas quem lê os dois pode ter a sensação de que sussurram no ouvido um do outro. As pessoas que vivem no Brasil podem até considerar que ambos os autores têm profundo conhecimento de como o Bolsonaro opera nos dias de hoje. Mas o fato é que o presidente brasileiro apenas imita o que vê em outros lugares.
Por causa de sua longa carreira como revisora-chefe de um dos jornais mais influentes, Kakutani pega os leitores pela mão e os conduz pacientemente por uma lista de autores como Hannah Arendt, Nicholas Carr, Aldous Huxley, Primo Levi, Garry Kasparov e Umberto Eco. Ela ressalta que é preciso sair da zona de conforto o quanto antes para encarar os fatos com atitude adulta.
“A Morte da Verdade” aponta que, em tempos de incerteza, a desinformação serve como estratégia para promover alguém ou uma causa. Não é uma consequência direta da pobreza ou da falta de educação, como algumas pessoas podem pensar.
“Várias teorias foram desenvolvidas para explicar por que as pessoas aceitam rapidamente informações que apóiam suas crenças e rejeitam aquelas que as desafiam. Simples. As primeiras impressões são difíceis de descartar porque há um instinto primitivo de defender o próprio território, porque as pessoas tendem a produzir respostas emocionais em vez de intelectuais quando questionadas e são avessas a examinar cuidadosamente as evidências. ”
Eu quase podia ouvir a voz de Castells aqui. Você não poderia? E, se você é brasileiro, não soa muito familiar?
Indo mais longe no livro de Kakutani, o leitor encontra sua explicação detalhada e fundamentada de como o governo do presidente americano Donald Trump manipula os fatos – e lembra claramente a estratégia adotada por Bolsonaro ultimamente, o que não é uma surpresa. O presidente brasileiro é um fã assumido do americano.
“O ataque de Trump à linguagem não se limita a sua torrente de mentiras, mas se estende a pegar palavras e princípios intrínsecos ao estado de direito e contaminá-los por questões pessoais e partidarismo político”, escreveu Kakutani. “Ao fazer isso, substitui a linguagem da democracia e seus ideais pela linguagem da autocracia. Ele exige fidelidade não à Constituição dos EUA, mas a si mesmo; e espera que os membros do Congresso e do Judiciário aplaudam suas políticas e desejos, independentemente do que eles acreditam ser o mais adequado aos interesses do povo americano”.
Kakutani argumenta que brincar com a realidade e enfraquecer as formas tradicionais de poder, incluindo a imprensa, foram as formas que Trump encontrou para ganhar a votação. O mesmo aconteceu no meu país.
Kakutani também acerta quando amarra estudos e críticas sobre redes sociais e revela sua vulnerabilidade à desinformação e manipulação. Ela cita, por exemplo, o artigo de Alice Marwick e Rebecca Lewis “The Online Radicalization We Are Not Talking” para apontar que uma das táticas usadas pela direita americana foi “diluir visões mais extremas na forma de ideias introdutórias para alcançar um público mais amplo”, naturalizando fenômenos inaceitáveis como o nazismo ou a misoginia. Isso é totalmente comparável ao brasileiro, que chama o nazismo de ideologia de esquerda e afirma que o aquecimento global é resultado de uma conspiração “globalista”.
Sobre esse tema, Kakutani cita Renee DiResta, especialista em teorias da conspiração em rede, e sua tese da “assimetria das paixões”.
“Mecanismos de recomendação ajudam a conectar os teóricos da conspiração ao ponto de já gastarmos muito tempo em bolhas e filtros puramente partidários. Estamos agora no mundo das comunidades isoladas que vivem sua própria realidade e operam de acordo com seus próprios fatos. A internet não está mais apenas refletindo a realidade, mas moldando-a.”
Alguém já ouviu falar de Olavo de Carvalho, o “guru” de Jair Bolsonaro? Bem, esse é exatamente o tipo de isolamento que ela estava falando – o fenômeno da bolha e a zona de conforto que Castells apontou alguns dias atrás. Sentado em uma cadeira e gravando vídeos no Youtube, Carvalho alimenta uma bolha que promove uma determinada pessoa e sua causa. E cria sua própria realidade, que é considerada a verdade pelo presidente. A verdade do presidente, por favor, note, não de um país.
Gilberto Scofield Jr. é diretor de negócios e estratégias da agência brasileira de checagem de fatos Agência Lupa.